O mundo vive um processo de mudanças significativas e intensas que abarcam todos os campos da vida social. Dos povos e populações tradicionais da América Latina às minorias étnicas na Ásia, África e Oceania, temos uma nova ordem de organização sociopolítica nunca antes presenciada. Assistimos uma transformação nas ações de alguns grupos sociais, os quais passaram da condição de imprimir pequeno impacto na organização política dos Estados para se tornarem sujeitos fortes na definição das agendas estatais. Isso leva a novos processos e problemas à investigação antropológica. É neste cenário que este grupo de trabalho (GT) propõe discutir como os povos e populações tradicionais buscam definir as agendas de políticas públicas perante os Estados, como se organizam e lutam para as formulações e consecuções de diretos que lhes são garantidos nas Constituições dos Estados Nacionais e Convenções Internacionais nas quais os países da América Latina são signatários. Assim, nosso foco de debate tem dois eixos: um que pretende discutir a importância das reflexões antropológicas nas formulações de políticas públicas condizentes com a realidade das populações com as quais pesquisamos; e outro que propõe debater como os povos e populações tradicionais participam nas agendas de políticas públicas. Nosso enfoque privilegia os trabalhos baseados em etnografias que discutam tais questões a partir dos marcos teóricos e metodológicas da Antropologia.
Territorialidade e movimento:
limites da política pública de titulação de territórios quilombolas
Resumo:
Este trabalho busca problematizar a vinculação direta entre a
legitimidade da reivindicação territorial das comunidades quilombolas e a
ideia de territorialidade fixa, que tem sido presumida pela política de
garantia de direitos territoriais no Brasil. A partir da etnografia com
famílias da Comunidade Quilombola Manoel Ciriaco dos Santos, localizada em
Guaíra, Paraná, mas composta por famílias que estão "espalhadas por todo
canto", analiso o sentido de movimento presente no modo de constituição da
identidade quilombola deste grupo. As famílias que atualmente vivem em Guaíra
são provenientes da região de Serro, Minas Gerais, a partir de movimento de
deslocamento que se iniciou na década 1950. Essa ambivalência dos caminhos
que gera sofrimento, mas que também é um deslumbramento e um ritual para
constituição da pessoa perpassa as narrativas quilombolas sobre a saída de
Minas Gerais e a possibilidade de retorno que ocorreu em 2015, depois de
trinta anos que haviam perdido contato com os parentes que permaneceram na
região mineira. As experiências de mobilidade, constitutivas da formação de
grupos quilombolas, apesar do grande rendimento etnográfico, tem, no entanto,
um baixo rendimento político, já que a sedentariedade é mais palatável e
administrável pelo Estado e se torna um critério estatal para a garantia de
direitos. Falar sobre movimento ainda acaba por enfraquecer a argumentação
perante aos limites que o Estado coloca para a possibilidade de
reconhecimento de direitos territoriais. É buscando compor esta dupla chave
da territorialidade e do movimento, o qual também se apresenta como valor
tradicional, que este trabalho realiza o esforço analítico para compreender
esta experiência específica. Nela a possibilidade de resistência do grupo se
estruturou por meio de estratégias de deslocamento e não de permanência em um
mesmo território de ocupação tradicional. Com as viagens de retorno para a
região mineira, ocorridas em 2015, o movimento novamente se apresentou como
possibilidade de reconectar "parentes espalhados" e fortalecer os
sentidos da identidade quilombola no presente. Enquanto território pressupõe
limite, a territorialidade não.
Autor: Dandara dos Santos Damas Ribeiro (Ministério Público do Estado do Paraná)
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A luta pela implementação de
uma educação escolar quilombola: uma experiência no município de Angra dos Reis
– RJ
Resumo:
No âmbito da educação, as políticas públicas voltadas à
diversidade vêm conquistando visibilidade dentro do espaço
político-governamental. Como exemplo, podemos citar a Lei Federal 10.639, de
2003, e suas respectivas Diretrizes Curriculares Nacionais, publicadas em
2004, que tornam obrigatório o ensino da história e da cultura
afro-brasileira e africana na educação básica, bem como as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola (2012). Estas
últimas configuram-se como uma nova modalidade de educação no Brasil,
contribuindo significativamente para a ampliação do debate público e
acadêmico acerca da educação escolar nesses territórios étnicos, o que também
vem trazendo legitimidade, entre os próprios movimentos quilombolas, no que
tange à demanda pela entrada de seus saberes, culturas e tradições nos
currículos escolares. Nesse contexto, temos como objetivo analisar a
experiência de luta por uma educação escolar quilombola em uma comunidade
situada no município de Angra dos Reis (RJ), cujo nome atende por Santa Rita
do Bracuí. Para o acúmulo de dados empíricos utilizamos ao longo do trabalho
de campo, iniciado em 2011, e ainda em andamento: etnografia, em uma vertente
interpretativista; entrevistas semiestruturadas com as principais lideranças
políticas da comunidade; análise de documentos disponíveis na escola
localizada dentro do território quilombola, bem como de documentos e
políticas educacionais disponíveis pela Secretaria Municipal de Educação de
Angra dos Reis. A análise foi norteada por três eixos: 1) o processo de
organização política da comunidade e sua autoatribuição enquanto um novo
sujeito político de direitos, que teve no reavivamento da prática cultural do
jongo um marco fundamental na construção de uma identidade quilombola; 2) as
relações estabelecidas entre a escola local e a comunidade de Santa Rita do
Bracuí, buscando apontar para os destaques representativos das aproximações
e/ou afastamentos entre ambas ao longo do tempo; 3) a situação atual das
relações entre escola e comunidade no tocante à demanda desta em implementar
uma educação escolar quilombola naquela, isto é, transformá-la em uma escola
quilombola. Além disso, pretendemos apontar para as estratégias de
permanência da comunidade na luta pela educação que, de fato, a contemple,
tanto a partir de seu posicionamento perante o poder público municipal, como
entre os movimentos sociais presentes no entorno, que conta com outras
populações tradicionais, como caiçaras e indígenas. Ressaltamos que o foco é
tecermos um olhar para o protagonismo exercido pelas lideranças políticas no
processo, ainda em aberto, de construção de modelos de educação escolar
quilombola, ou seja, partiremos das perspectivas encontradas no interior da
comunidade.
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Autor: Kalyla Maroun (UFRJ)
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Coautor(es): Ediléia Carvalho - Doutoranda PPGE- PUC-RIO
Entre a autonomia e a
institucionalização: Percursos da educação quilombola em Bom Jesus da Lapa (Ba)
Resumo:
As etnografias de políticas públicas tem se tornado um ponto
importante de reflexão no contexto do Brasil Contemporâneo. Num contexto de
ampliação de políticas públicas específicas na sociedade brasileira, tem sido
importantes às discussões acerca da implementação de políticas públicas para
a educação do campo. Na busca de educação contextualizada, os diversos povos
do campo, das águas e das florestas têm pleiteado cada vez mais que as políticas
educacionais para o campo, não apenas tornem-se políticas para a educação do
campo, mas políticas para a educação de cada um desses sujeitos. Entre os
vários sujeitos emergentes do campo brasileiro, tem se destacado as
populações quilombolas, que além da luta pela regularização dos seus
territórios, tem buscado construir uma educação quilombola, isto é, uma
educação voltada para a especificidade das suas realidades. Esta demanda de
uma educação quilombola tem se configurado nos espaços institucionais –
promovendo a demanda da educação escolar quilombola -, ou nos espaços
informais. À medida que tem avançado a luta e a organização das comunidades,
associações e movimentos quilombolas, esses sujeitos tem pautado que as
escolas em quilombos, tornem-se escolas quilombolas, ou seja, que as escolas
em comunidades passem a ter nos seus currículos e nas suas ações questões
voltadas especificamente para a questão quilombola. Sendo diversos e
complexos os caminhos para que a demanda da educação quilombola seja transmutada
em ações efetivas das próprias comunidades ou políticas públicas, as
etnografias tem permitido um maior conhecimento das redes complexas que
envolvem os sujeitos em torno da questão da educação quilombola. Juntando-se
ao campo das etnografias, este trabalho tem o desejo de refletir os caminhos
da educação quilombola em Bom Jesus da Lapa (Ba), buscando entender como o
contexto de luta pelo território – afinal, Rio das Rãs, localiza-se neste
município – propiciou, num primeiro momento experiências formativas sobre a
educação étnico-racial, e como, mais recentemente, nas escolas quilombolas
esses grupos tem se apropriado de políticas públicas transversais, como o
Programa Mais Educação, para executar projetos e ações na construção da
educação quilombola. Assim, este artigo tem o objetivo de entender o jogo e
as redes sociais construídas em torno da construção da educação quilombola do
município. Para tanto foram realizadas pesquisas bibliográficas, entrevistas
com professores de escolas quilombolas, bem como grupos focais com
diretores/as de escolas quilombolas para entender essa um percurso que se
move entre autonomia e institucionalização.
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Autor: Tiago Rodrigues Santos (Universidade Federal do Oeste da Bahia)
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Coautor(es): Guiomar Inez Germani -
LUTANDO "NO SECO":
Seguridade territorial e a criação de unidades de conservação numa vila
pesqueira
Resumo:
A proposta desta comunicação é pensar sobre a relação entre
seguridade territorial e a política nacional de meio ambiente a partir da
experiência de uma vila pesqueira localizada na praia de Canoa Quebrada,
costa leste do estado do Ceará, Brasil. Na década de 1990, com a chegada do
turismo e outras atividades econômicas de grande porte, como a criação de
camarão em cativeiro e a construção de parques eólicos, são disparados vários
conflitos nos quais terra e mar tornam-se disputados por diversos agentes sociais.
Na segunda metade da década anterior, após a reivindicação de um empresário
pela propriedade da terra que corresponde à área continental da vila, ou
seja, “no seco” em relação ao espaço marítimo conhecido como “no molhado”,
inicia-se um processo chamado localmente de “a luta”. A população local
responde como réu no processo judicial e, a partir daí, uma série de
estratégias são pensadas a fim de construir uma possibilidade de ação. O
conflito resulta na desapropriação e o grupo solicita ao Estado a consolidação
de um marco jurídico que garanta alguma seguridade territorial. É assim que a
vila é inserida na política ambiental nacional a partir de duas unidades de
conservação – uma APA e uma ARIE - e torna-se portadora de um título de
domínio válido por dez anos e reversível caso não se cumpram as normas
estabelecidas pelos órgãos estatais responsáveis. Se, por um lado, as
unidades de conservação foram pensadas como estratégia pelo grupo, que
formulou os seus objetivos e algumas normas de uso e ocupação como saída para
o conflito territorial, por outro, há um processo de racionalização e
disciplinarização do uso do território pautado por uma lógica protecionista
do Estado e no qual a população da vila encontra-se submetida. Penso, por um
lado, sobre como essa lógica preservacionista é infletida nas relações entre
moradores e parentes depois da necessidade de controlar o uso do espaço e,
por outro, como os modos locais de fazer parentesco, entendidos em sua
processualidade, criam novas práticas e fornecem repertórios que possibilitam
modos de relacionamento com o código estatal e associativo nesse contexto de
patrimonialização da terra.
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Autor: Ana Luisa Lisboa Nobre Pereira (UFS)
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A produção de um plano de uso
comunitário pelos caiçaras da Juréia: um estudo etnográfico de um experimento
de cooperação entre conhecimento tradicional e pesquisa acadêmica
Resumo:
A questão de pesquisa é a forma pela qual uma comunidade dita
tradicional se organiza para compatibilizar os direitos de comunidades
tradicionais com os objetivos de conservação em áreas protegidas. Pretende-se
abordar essa questão por meio da etnografia do processo de elaboração do
Plano de Uso Comunitário para o mosaico Jureia-Itatins, com base na
cooperação entre comunidades locais e pesquisadores acadêmicos das ciências
naturais, sociais e jurídicas. Essa pesquisa tem importância tanto teórica
quanto para políticas públicas. Do ponto de vista teórico, trata-se de
contribuir para a discussão sobre a importância de sistemas de governança
locais, discussão esta inaugurada por Elinor Ostrom. A imposição de um
sistema governamental de restrições sobre áreas protegidas nas quais não se
admite ocupação humana não só expulsa populações locais, mas também destrói
sistemas de governança de recursos naturais elaborados ao longo de várias
gerações. Essas populações têm frequentemente resistido a sua expulsão e têm
reivindicações para chegar a compromissos que combinem suas práticas e regras
de uso tradicionais com a conservação da biodiversidade e dos serviços
ecossistêmicos, podendo, assim, coibir usos clandestinos e, por conseguinte,
predatórios, dos recursos das unidades de conservação. A União dos Moradores
da Jureia, desde os anos 1990, tem tido protagonismo na defesa de uma solução
de compromisso. Desde muito cedo, procurou apoio das três universidades
estaduais de São Paulo e da defensoria pública. Já realizou treinamento sobre
interpretação de imagens e de geoprocessamento na Universidade Federal do
ABC, sob orientação da profª Helena França; com isso, plotou dados e
localizou ampla bibliografia dos estudos realizados na área e necessários
para um projeto de ecologia histórica que está sendo gestado. Agora, por
sugestão do Ministério Público Federal, pretende elaborar um plano de uso
comunitário, já existente em outra área de conservação de uso indireto do
Estado de São Paulo, que não se confunde mas que dialogará com um futuro
plano de manejo do mosaico Jureia-Itatins. A originalidade do enfoque aqui
proposto é acompanharmos internamente o processo em curso que pode ser visto
como um experimento no qual se testam soluções cooperativas, ou em rede, para
o conflito que opõe “conservação” (natureza) e “direitos humanos”
(sociedade). Do ponto de vista metodológico, trata-se portanto de uma
etnografia “implicada”, nos termos definidos por Bruce Albert.
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Autor: Carmen Silvia Andriolli (Departamento de Desenvolvimento, Agricultura e
Sociedade, UFRRJ) - carmen.andriolli@gmail.com
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Coautor(es): Adriana de Souza de Lima (União dos Moradores da Jureia-UMJ) e Dauro Marcos do Prado (União dos Moradores da Jureia-UMJ)
Paz, pão e terra: conflitos,
organização e luta por direitos na Comunidade Caiçara da Praia do Sono.
Resumo:
O Decreto nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, que instituiu a
Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais (PNPCT), trouxe uma série de direitos e garantias legais aos
povos e comunidades tradicionais no Brasil, com ênfase no reconhecimento dos
seus direitos territoriais, sociais, econômicos e culturais. Neste sentido, a
Comunidade da Praia do Sono, reconhecida como comunidade caiçara e localizada
na Reserva Ecológica Estadual da Juatinga (REJ) e na Área de Proteção
Ambiental de Cairuçu (APA-Cairuçu), em Paraty (RJ), tem passado por um
intenso processo de lutas e de reivindicação de direitos nos últimos anos. Se
por um lado a história da comunidade é marcada por conflitos fundiários, ação
de grileiros e assédio do capital privado imobiliário, que ainda hoje é
recorrente, por outro é marcada pela ausência do Estado e anuência do poder
público no que se refere a estas questões. Desta maneira, estabelecendo um olhar
antropológico sobre o tema, buscamos observar os conflitos existentes entre
os diferentes agentes em questão (Estado, comunidade e capital privado) e o
papel da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro como mediador de
conflitos. De igual modo, pretendemos perceber como esses embates se
materializam em reivindicação clara de direitos coletivos, de políticas e de
serviços públicos garantidos por lei, ainda que muitas vezes relegado. No que
tange às formas de luta, de resistência e de organização desenvolvidas pela
comunidade no decorrer desse processo, é possível verificar algumas
transformações importantes com relação ao nível de consciência política, de
criação de canais de diálogos alternativos e fortalecimento de entidades e
instrumentos de luta, constituindo-se assim em objetos de interesse
particular nesta pesquisa.
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Autor: Elton John da Silva Santiago (UFF)
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Quando a terra toma outro rumo:
uma investigação sobre conflitos de sobreposição territorial na Terra do Meio
(PA)
Resumo:
O artigo propõe uma reflexão sobre um caso de sobreposição
envolvendo territórios tradicionalmente ocupados e duas unidades de
conservação (UCs) na região conhecida como Terra do Meio, interflúvio dos
rios Xingu e Iriri, no Pará. Na década de 2000, a área foi alvo de intenso
processo de grilagem, cujo combate passou pela criação de um mosaico de
unidades de conservação (UCs) ambiental de diversas categorias, dentre as
quais a Estação Ecológica da Terra do Meio (EsecTM) e o Parque Nacional da
Serra do Pardo (PNSP). Embora ambas já estivessem previstas nos estudos de
criação do mosaico, as unidades efetivamente decretadas pelo governo em 2005
apresentaram diferenças significativas em relação ao projeto original. Se a
diferença de área não foi grande, considerando-se as dimensões totais das
UCs, a alteração dos limites teve efeitos drásticos. Um deles foi a inclusão
do território ocupado por famílias ribeirinhas no perímetro de duas UCs que
não admitem a presença de populações humanas em seu interior. Relatos coletados
junto aos beiradeiros revelam pontos em comum. Fala-se de uma ocupação cuja
origem remonta à virada do século 20, com o estabelecimento dos seringais às
margens dos rios Xingu e Iriri. Famílias que, ao longo do último século,
constituíram um campesinato caracterizado por um modo de vida em estreita
relação com a dinâmica da floresta, consorciando atividades agrícolas e de
extrativismo, bem como estabelecendo diversos vínculos de parentesco,
vizinhança e compadrio. Famílias que, desde 2005, tiveram sua
territorialidade confrontada com o advento da criação das duas UCs, passando
a sofrer assédio do órgão ambiental gestor, primeiramente o Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), e, a
partir de 2007, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio). Isso porque, ao longo de mais de dez anos, os beiradeiros têm sido
alvos de ações arbitrárias, entre multas e ameaças de expulsão, atos que
criminalizam suas ocupações e cerceiam seu modo de vida. Paradoxalmente, o
fato de resistirem no território faz com que os beiradeiros enfrentem também
uma situação de invisibilidade ante outras instâncias do Estado, em especial
no que diz respeito a direitos constitucionais, como saúde e educação. Fruto
de uma pesquisa de doutorado em seus estágios iniciais, o artigo apresenta o
histórico de ocupação das famílias que vivem na EsecTM e no PNSP, buscando
investigar quais as implicações da sobreposição territorial nas formas com
que constituem sua territorialidade e a percepção que têm da atuação do
Estado. Com isso, intende-se colocar em relevo aspectos significativos da
atuação do órgão ambiental em relação a políticas públicas envolvendo povos e
comunidades tradicionais em geral.
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Autor: Natalia Ribas Guerrero (Universidade de São Paulo)
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Agroextrativistas e Quilombolas
no Arquipélago do Marajó (PA): território, etnicidade e direitos
Resumo:
O reconhecimento e garantia de direitos territoriais de povos e
comunidades tradicionais pelo Estado brasileiro pode ser interpretado como
uma conquista dessas coletividades. Tais direitos estão inscritos na
Constituição Federal de 1988, na lei que institui o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação (SNUC), na Convenção n.º 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), entre outras normativas estaduais e de
órgãos da administração pública. No entanto, garantir regularização
territorial nem sempre implica autonomia para gerir o território. Muitas
vezes a atuação estatal nesse âmbito interfere nas dinâmicas comunitárias
incitando conflitos e produzindo outras demandas. Nesse sentido, parte-se da
experiência de consultoria jurídica sobre direitos territoriais no âmbito da
Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) nos Projetos de Assentamento
Agroextrativista (PAEs) criados via Instituto de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA) no arquipélago do Marajó (PA), para discutir as
interferências estatais nas dinâmicas da etnicidade. No caso específico,
tratava-se de conflito entre Agroextrativistas membros do PAE, de um lado, e
quilombolas cujo território estava em processo final de regularização, de
outro, em torno de uma área específica que ambos os grupos reivindicavam como
sua. Tendo em conta que o Estado, por meio de regularizações fundiárias, pode
provocar reorganizações socioculturais significativas que se traduzem em
verdadeiras territorializações, conforme aduz Pacheco de Oliveira (1999),
busca-se compreender de que forma, nesse contexto específico, a atuação
estatal transformou a dinâmica das relações territoriais locais, esmaecendo
antigos conflitos e, ao mesmo tempo instaurando novas querelas. O caso
permite também questionar se a maneira como a burocracia estatal opera as
regularizações fundiárias de povos tradicionais atende às suas demandas por
autogestão territorial. Impõe também pensar os limites de tais regularizações
e as possibilidades de os diplomas legais – especialmente a Convenção n.º 169
da OIT e seus mandamentos de Consulta Prévia – auxiliarem na resolução de
questões similares a esta “disputa” entre agroextrativistas e quilombolas.
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Autor: Mariah Torres Aleixo (Universidade Federal do Amapá)
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Algumas questões sobre a
transposição do rio São Francisco e a ação política dos povos indígenas no
Sertão de Itaparica/ PE
Resumo:
O objetivo desta apresentação é colocar em debate a maneira como
o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC I e II, respectivamente lançados
em 2007 e 2010) oferece um novo panorama de desafios e riscos ao modo de vida
das populações tradicionais. Especificamente, a partir de uma etnografia
realizada com as populações indígenas do sertão de Itaparica diretamente
implicadas pelo Projeto de Integração de Bacias do rio São Francisco com
Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, popularmente conhecido por
Transposição do rio São Francisco, procuro analisar dois eixos propostos pelo
GT. No primeiro eixo, a aposta é demonstrar como a Transposição do São
Francisco, que é ao mesmo tempo vista como uma obra de desenvolvimento e uma
ação governamental concreta para assegurar recursos hídricos para cerca de 12
milhões de habitantes, configura-se atualmente como uma obra que garante um
suprimento adicional para abastecimento das zonas urbanas do sertão
pernambucano. Apresenta-se então um novo cenário de insegurança aos povos
indígenas e populações rurais diretamente implicados pela construção da obra,
e não mais uma garantia real de acesso à água. Em um segundo eixo, procura-se
dar visibilidade à ação política dos povos indígenas do sertão de Itaparica.
Apesar de alguns grupos não terem participado do processo consultivo estipulado
pela convenção nº169 da OIT, realizaram diversas associações com
instituições, organizações não governamentais e outras populações
tradicionais. Buscavam, por um lado, discutir, pressionar e garantir as
políticas públicas necessárias para a mitigação dos impactos resultantes
dessas obras de desenvolvimento e, por outro lado, participar da gestão,
avaliação e preservação do Rio São Francisco.
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Autor: Carla Souza de Camargo (Unicamp)
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Planos de Utilização em
Projetos de Assentamento Agroextrativistas: autoritarismo e participação
Resumo:
Neste trabalho analisamos a partir, de uma perspectiva
antropológica, o Plano de Uso (PU) dos Projetos de Assentamento
Agroextrativistas criados pelo Incra. Os PU's deveriam ser o instrumento de
gestão do território das comunidades extrativistas que estão sob a jurisdição
do INCRA, todavia, levantamos que as comunidades que compõem os PAE's não
reconhecem-se nesses Planos, pois estes são feitos sem a participação dessas
comunidades e sem levar em consideração gestão, os usos do território, os
costumes, a organização social, e a gestão dos recursos naturais e sequer
reconhecem os limites de respeito e o direito consentudinal dessas
comunidades. Quais as implicações disso enquanto política pública para povos
e comunidades tradicionais? e como essa forma de organizar e gerir a política
pública de reconhecimento de direitos a um território reverberam na vida dos
povos e comunidades que passam, arbitrariamente, à classificação de
assentados da reforma agrária? Nossa pesquisa se orientou na busca de
responder a essas duas questões e suscitaram outras. Concluímos que não
apenas os grandes projetos vem ferindo e expropriando dos direitos dos povos
e comunidades tradicionais, mas silenciosamente uma política que vem sendo
implementada, a pretexto de garantir esses direitos, negam o componente
étnico da formação dos povos e comunidades tradicionais, suas organizações
sociais e políticas, bem como seus laços de parentesco e o direito à sua
diversidade cultural e a se organizar conforme seus usos e costumes.
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Autor: Claudiane de Fátima Melo de Sousa (Universidade Federal do Pará) -
nannisousa2004@yahoo.com.br
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Coautor(es): FrancyMary Fernandes da Costa
A expansão da mineração e a
invisibilidade quilombola: quem é o dono dessa terra?
Resumo:
Desde os anos 1970 há trabalhos de mineração de bauxita na
região ao longo do Rio Trombetas, no municionou de Oriximina/PA. As
comunidades quilombolas criaram estratégias e dinâmicas proprias para lidar
com a disputa pelo território, principalmente com a Mineradira Rio do Norte,
mas também, com outros órgão que regulam os usos da área, como por exemplo, o
Instituto Chico Mendes de Conservação- ICMBio. Com as vigência de leis que
regularizam território quilombola e convenções internacionais que determinam a
consulta prévia, livre e informada quando houver risco de impacto para as
comunidades locais na construção de grandes empreendimentos, as comunidades
quilombolas denominadas, como Alto trombetas 1 e 2, estão enfrentando a
expansão da mineração, e criando novas dinâmicas para as comunidades que
permanecem no local.
A partir de um olhar antropologico, esse artigo propõe analisar dados
etnográficos, a partir de reuniões e encontros quilombolas que debatem esse
assunto, bem como a análise de um procedimento do Ministério Público Federal,
que reúne as atas das reuniões que já debateram esse tema nessas comunidades.
Nossa presente hipótese e que apesar da lei trazer uma certa visibilidade
para as questões quilombolas, há no olhar quilombola uma invisibilidade sobre
sua identidade sobretudo sob o aspecto moral. Na visão quilombola observamos
que há recorrente discurso de não serem consultados sobre o uso do território
que ocupam há mais de um século, como comprovam estudos históricos da região.
Assim pretendemos descrever as estratégias e os mecanismos quilombolas diante
a expansão da mineração na região, e também mediante a luta pelo
reconhecimento perante o Estado.
Essa discussão faz parte da tese que está em andamento no Programa de Pós
Graduacao Sociedade, Natureza e Desenvolvimebto na Universidade Federal do
Oeste do Para.
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Autor: Erika Giuliane Andrade Souza Beser (UFOPA)
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Projeto: pensando e trabalhando
em projetos
Resumo:
O cientista social que trabalha com populações tradicionais no
Brasil é invariavelmente chamado a colaborar com a formulação de projetos,
que propõem atuação nas mais diferentes áreas. A despeito de cada vez mais
presente na vida do cientista acadêmico, chegando quase a constituir um
pressuposto ou contrapartida necessária para a realização de pesquisa
etnográfica, a forma-projeto raramente é objeto do pensamento social.
Projetos medeiam o diálogo com instituições públicas e privadas; permitem a
captação de recursos; possibilitam a execução de obras de infraestrutura
sanitária; e, de experimentos culturais/sociais. Para um enquadramento
consistentemente crítico da forma-projeto, é preciso considerar a discussão
sobre a ausência do Estado e do não cumprimento de seu papel público, que é
transferido para a sociedade civil, quando não para as próprias comunidades
que deveriam ser o objeto de políticas públicas. Assim como as questões
relativas à precarização do trabalho acadêmico e informacional, cuja
principal evidência é o estabelecimento de regimes de colaboração que, na
maioria das vezes, ensejam trabalho não-remunerado. Contudo, apesar destes
aspectos negativos, os quais serão levados em conta durante toda a reflexão,
o que acontece se consideramos genuíno o interesse em realizar projetos tal
como expressam as comunidades e as coletividades indígenas e tradicionais?
Nossa aposta, baseia-se na possibilidade de explorar um potencial, de caráter
marginal, que há na forma-projeto o qual permite às populações tradicionais
que subvertam a chave clássica da produção de conhecimento na qual seus
saberes são necessariamente objetificados. Obviamente, este uso emancipatório
de projetos não é automático, tampouco simples. A partir de uma análise
etnográfica de dois projeto de implementação tecnológica atualmente em curso
– um realizado na Reserva Extrativista do Alto do Juruá (Acre), com
agricultores e seringueiros, outro realizado junto aos Xavante (A'uwẽ Uptabi)
da Aldeia Wede'rã, Terra Indígena Pimentel Barbosa (Mato Grosso) –
pretendemos, ao mesmo tempo, explorar alguns aspectos que possibilitam que
esse potencial seja efetivo, interessados em ver, também, na outra direção,
ocorrências que evidenciam limites e conflitos que a forma-projeto precipita
e implica.
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Autor
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Francisco Antunes Caminati (FCT/UNESP)
Quando as trajetórias negras
encontram a institucionalidade das políticas públicas contemporâneas: algumas
ações voltadas para remanescentes de comunidades quilombolas em São Lourenço do
Sul, RS
Resumo:
No contexto contemporâneo brasileiro se entrecruzam uma
pluralidade de formas substantivas de política, para além daquela oriunda do
Estado, tais como as políticas cotidianas de grupos marginalizados. Diante
dessas diferentes expressões, o presente texto procura abordar relações
estabelecidas a partir da aproximação recente entre ações estatais que teriam
a proposta de abarcar a diversidade cultural, e ações de três comunidades
negras rurais do município de São Lourenço do Sul, no sul do Rio Grande do
Sul, mobilizadas em processos de reconhecimento e na busca por direitos
sociais a partir da categoria de “remanescente de comunidade de quilombo”,
cada qual com suas prioridades e objetivos.
Esse encontro e as ações do poder público que daí se depreendem compõem um
campo de relações no qual essas comunidades negras, que se situam em
determinado sistema interétnico - com presença intensa de colônias de origem
teuto -, passaram a se mobilizar junto a diferentes atores, objetivando
modificar situações adversas. Há distintos regimes de legitimidade em jogo
nas escolhas cotidianas nesse contexto, operadas por critérios nem sempre
aparentemente consoantes entre si ou com uma visão estrita de cidadania, e
que se baseiam também nas experiências anteriores (incluindo distanciamentos
e diferenciações), e são permeadas por situações de conflito, mesmo que em
alguns casos tenham sido reformuladas.
Não se tratando de uma relação polarizada entre grupos negros e Estado,
também se encontram nesse campo organizações de apoio e assistência técnica,
partidos políticos etc., que podem se reposicionar ao longo do tempo em
termos de adesões e parcerias, assim como as próprias comunidades e as
organizações do poder público. Desse dinâmico entrecruzamento, apesar da
assimetria nas relações, não surge uma unidade, homogeneidade ou simples
cooptação local. Ao contrário, os caminhos a partir disso são diversos. De
modo a problematizar as implicações da presença de diferentes demandas
relacionadas a identidades étnicas, dentro de um contexto de interações,
tensões e situações de pretensa subordinação entre distintos atores, esse
artigo têm como desafio refletir sobre os encontros e desencontros entre os
sujeitos mencionados, a partir de dados etnográficos de cada uma das
comunidades do universo dessa pesquisa e com apoio de correntes consideradas
possibilitadoras de debates a partir de perspectivas minoritárias, como a
crítica decolonial latino-americana. Serão abordadas em especial os processos
de formação e continuidade (ou não) das Associações Quilombolas e diferentes
atividades relacionadas a ela, em especial na modalidade de projetos em
diferentes áreas.
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Autor: Patrícia dos Santos Pinheiro (UFPEL)
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Pesquisa de Avaliação do
Programa Bolsa Verde
Resumo:
Esta comunicação visa apresentar e discutir os principais
resultados das pesquisas de campo etnográficas realizadas por servidores do
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) em áreas onde
residem beneficiários do Programa Bolsa Verde. A avaliação proposta visou, em
síntese, captar in loco o processo de implementação do programa em contextos
socioambientais diversos, observando seus fluxos de funcionamento e
compreendendo as concepções e as práticas dos atores envolvidos – em especial
os beneficiários – relacionadas à transferência de renda e à conservação
ambiental. O Programa de Apoio à Conservação Ambiental – Programa Bolsa Verde
é um programa de transferência de renda com condicionalidades
socioambientais, implantado no âmbito do Plano Brasil sem Miséria (BSM) em
2011. Ele integra o eixo de Inclusão Produtiva Rural do BSM e tem como
público-alvo famílias em extrema pobreza que desenvolvem atividades de
conservação ambiental em áreas com relevantes ativos e recursos naturais. A
avaliação foi composta de cinco trabalhos de campo empreendidos por
diferentes servidores cientistas sociais nas seguintes áreas: RESEX Tapajós-Arapiuns
(PA), Ilha de Abaetetuba (PA), PAE Cabaliana I (AM), PA Santa Catarina (PB) e
RESEX Baía do Iguape (BA). A pesquisa buscou situar um processo de
investigação centrado nos sujeitos alvo da política pública e como esses
estes se apropriam e do Programa.
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Autor: Pedro Stoeckli Pires (Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome)
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Coautor(es): Danilo Vieira, Isabelle Bachtold, Juliana Varella, Marina Farias, Pedro Stoeckli.