terça-feira, 4 de setembro de 2018

A Antropologia e o Pós-colonial (Disciplina Teorias Antropológicas II - 2018.2)


UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

COMISSÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO


HS968 – TEORIAS ANTROPOLÓGICAS II
2018.2, terças, 14-17hs
Prof. José Maurício Arruti

EMENTA
Este curso oferece aos alunos um aprofundamento nos estudos antropológicos, a partir de uma seleção de temas, autores e tendências teóricas centrais à constituição da disciplina. Propõe aos alunos percursos bibliográficos e busca capacitá-los a construir suas próprias aproximações e diálogos com a literatura antropológica.

BIBLIOGRAFIA

AULAS 1 – dia 11 de setembro
Apresentação do curso
AULAS 2 e 3 – dias 18 e 25 de setembro
WAGNER, Roy. 2010 [1975]. A Invenção da Cultura. São Paulo: Cosac Naif, 253 pgs.
AULA 4 – dia 02 de outubro
SAID, Edward W. 1990 [1978]. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras (Introdução, p. 13-40; Cap. 1 – O âmbito do Orientalismo, p. 41-120).
AULA 5 – dia 09 de outubro
APPIAH, Kwame Anthony. 1997 [1992]. Na Casa de Meu Pai – A Africa da filosofia da cultura.. Rio de Janeiro: Contraponto (cap. 1 – A invenção da áfrica, p. 19-52; Cap. 7 – O pós-colonial e o pós-moderno, p. 193-220; Cap. 9 – Identidades Africanas, p. 241-252).
AULA 6 – dia 23 de outubro
LATOUR, Bruno. 1994 [1991]. Jamais Fomos Modernos – ensaios de antropologia simétrica. Rio de Janeiro: Ed. 34 (coleção Trans), 149 pgs.
AULA 7 – dia 30 de outubro (manhã)
GILROY, Paul. 2001 [1993]. O Atlântico Negro – modernidade e dupla consciência. Rio de Janeiro: Ed. 34 (Cap.1 – O Atlântico Negro como contra-cultura da modernidade, p. 33-100; Cap. 6 – “Uma história para não se passer adiante”: a memória viva e o sublime escravo, p. 351-416)
AULA 8  – dia 30 de outubro
HALL, Stuart. 2003. Da Diáspora – identidades e mediações culturais / Organização de Liv Sovik. Belo Horizonte: Ed. UFMG (Parte 1 – Controvérsias, p. 25-128)
AULA  9 – dia 05 de novembro (segunda)
SPIVAK, Gayatri Chakravorty. 2010 [1985] . Pode O Subalterno Falar?. Belo Horizonte: Editora UFMG, 133p. https://perspectivasqueeremdebate.files.wordpress.com/2013/10/spivak-pode-o-subalterno-falar.pdf
DAS, Veena. Subaltern as persperctive. Subaltern Studies VI, 1989, 310-325 
HARAWAY, Donna. 1995. Saberes Localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. cadernos pagu (5): pp. 07-41.
AULA 10 – dia 13 do novembro
OLUKOSHI, Adebayo & NYAMNJOH, Francis. 2011. “The Postcolonial Turn: An Introduction”. In: The Postcolonial Turn / René Devisch Francis Nyamnjoh (eds). Bamenda: Langaa Research and Publishing Common Initiative Group, p. 1-28.
MBEMBÉ, J.- Achille. 2001. “Introduction: Time on the Move”. In: On the postcolony. (Studies on the history of society and culture 41) Berkeley and Los Angeles, California: University of California Press, p. 1-23.
MUDIMBE, V. Y. 2013 [1988]. “Discurso de Poder e o conhecimento da alteridade”. In: A Invenção de África – Gnose, Filosofia e a ordem do conhecimento. Mangualde: Ed. Pedago, p. 15-42.
AULA 11 – dia 26 novembro (segunda)
MIGNOLO, Walter. Histórias Locais / Projetos Globais – colonialidade, saberes subalternos e pensamento liminar. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 505 pgs.
AULA 12 – dia 27 novembro
MALDONADO-TORRES, Nelson. 2006. Pensamento crítico desde a subalteridade: Os estudos étnicos como ciências descoloniais ou para a transformação das humanidades
e das ciências sociais no século XXI. Afro-Ásia, 34, p. 105-129.
MALDONADO-TORRES, Nelson. 2008. “La descolonización y el giro des-colonial”. Tabula Rasa. Bogotá - Colombia, No.9, p. 61-72
MALDONADO-TORRES, Nelson. 2008. A topologia do Ser e a geopolítica do conhecimento. Modernidade, império e colonialidade. Revista Crítica de Ciências Sociais, 80, p. 71-114
AULA 13 – dia 03 dezembro (segunda)
TROUILLOT, Michel-Rolph.
Silenciando o passado: poder e a produção da história. Curitiba: huya, 2016. (Cap. 1 - O poder na estória, p. 19-63; Cap. 3 - Uma história impensável: a Revolução Haitiana como um não evento, p.121-179).
AULA 14 e AULA 15 – dia 04 de dezembro (manhã e tarde)
Apresentação e debate dos resumos dos trabalhos finais 



segunda-feira, 3 de setembro de 2018

A destruição do Museu Nacional é a marca mais dolorosa do momento crítico a que a sociedade brasileira chegou

Ao assistir ontem a noite às cenas do incêndio na TV, fiquei mudo e perplexo. Minha primeira reação só veio depois de passar horas assistindo ao incêndio, como para me certificar de que aquilo não era só um pesadelo. Enviei uma breve mensagem para amigos e para colegas de outros países com o máximo que podia expressar no momento: “O museu nacional do Rio de Janeiro completamente destruído pelo fogo, que já dura 5 horas. 200 anos de história científica. Milhares de anos de fontes documentais. Uma das melhores bibliotecas de antropologia do pais. Uma centena de carreiras destruídas. Uma tragédia inestimável, que é a metáfora de uma tragédia ainda maior”. Fui dormir com o peito apertado de dor, raiva e medo.

Estudei no Museu Nacional por mais de dez anos. Comecei em 1989, antes de entrar no mestrado, como estagiário, recém formado em História, do grupo PETI – Projeto Estudo sobre Terras Indígenas. Trabalhei no arquivo histórico e etnológico que a equipe do PETI havia reunido, sob a coordenação dos professores João Pacheco e Antônio C. S. Lima, e que daria origem ao Atlas dos Povos Indígenas do Nordeste (1990). Neste período me encantei com os debates públicos promovidos por professores e estudantes do PPGAS-MN sobre as políticas públicas para indígenas, e que tinham repercussões reais sobre estas mesmas políticas. Uma experiência que me apontou a possibilidade de fundir História e Antropologia, assim como de fazer isso com alguma potência transformadora sobre a realidade.

Depois foram dez anos como aluno, em uma época em que os tempos de pesquisa e redação regulamentares de uma dissertação e de uma tese eram quatro e seis anos. A formação no PPGAS do Museu Nacional é uma marca profunda em todos que passaram por lá. Éramos alunos dos principais nomes formadores da Antropologia brasileira em várias das suas sub-áreas e isso nos era cobrado macia e constantemente. Em torno de um dos pátios internos do grande prédio do Museu Nacional ficavam a sala de aula, as salas dos professores, a secretaria e a Biblioteca Francisca Keller, uma fonte de pesquisa inesgotável, que nos dava acesso tanto à história das Ciências Sociais brasileiras, quanto à bibliografia antropológica internacional mais atualizada.

Entre uma atividade e outra, atravessávamos o pátio como quem atravessa um cenário suspenso no tempo, silencioso e cerimonioso, mas que, desde então, mostrava o desgaste da falta de recursos. Já eram dilemas para a administração da época, tanto a falta de espaço para o contínuo crescimento da biblioteca, quanto o risco que todos nós corríamos com a queda de um ou outro pedaço de reboco do beiral do prédio histórico. Isso contrastava com a certeza de que estávamos imersos em um espaço de saber e ciência, que todos nós reverenciávamos, e cuja alegoria eram os corredores de paredes cobertas de móveis centenários de madeira, com gavetas de fichas de catálogo ou com vitrines que expunham milhares de minúsculas e maiúsculas peças arqueológicas.

O Museu Nacional era uma das nossas instituições maiores, em todos os sentidos. Símbolo da possibilidade que o trabalho intelectual tem em converter um projeto civilizatório imperial em um projeto civilizatório democrático, forjado na luta do saber contra preconceitos, racismos e relações de poder desiguais. Esta instituição foi destruída, não por um acidente, mas por um projeto político concorrente. A destruição do Museu Nacional é a marca mais dolorosa do momento crítico a que a sociedade nacional chegou, ao se degradar na política da ignorância, da opinião sustentada no meme, do egoísmo transformado em teologia, do mercado que não alimenta, mas que se alimenta da vida. A destruição do Museu Nacional é o ato mais espetacular de uma sucessão de atos destinados à destruir a ciência, a arte, a história e a memória brasileiras.