sexta-feira, 15 de novembro de 2013

PARA SAIRMOS DA POSIÇÃO REATIVA

O contexto de greve discente em que estivemos envolvidos, mesmo depois de dissipado, nos apresenta questões que exigem atenção e debate.
Esta greve tem seu estopim em um evento de máxima violência vivido no Campus, a morte de um estudante no contexto de uma festa considerada ilegal, mas tolerada pela Reitoria, do qual resultou o anúncio, mais tarde negado, de que esta mesma Reitoria autorizaria a presença da Polícia Militar no Campus. Reagindo a este anúncio, a greve dos estudantes da UNICAMP se apresenta, em parte, como desdobramento de uma mobilização nacional que, tendo origem nas jornadas de junho, foi prolongada até poucos dias pela luta dos professores de ensino publico do Rio de Janeiro e pelas amplas e intensas manifestações contra os leilões de campos do pré-sal promovidos pelo governo federal. Eventos de ponta a ponta marcado pela atuação violenta e arbitrária da polícia, e até mesmo do exército e da Força Nacional, sob beneplácito dos governos municipais, estaduais e federal.
Coincidentemente ou não, em meio à greve, chegou-nos ao conhecimento a decisão da Prefeitura do Campus – tomada, aliás, sem nos dirigir qualquer consulta prévia – de demolir a lanchonete do IFCH, importante espaço de sociabilidade de alunos, professores e visitantes, único remanescente da demolição ou desativação de espaços semelhantes no em torno do nosso instituto. É inegável o efeito preocupante que o encadeamento desses eventos, de escalas e qualidades tão distintas, mas todos dotados de significativa carga de violência, produz sobre todos nós.
De outro lado, a temporalidade da greve em nossa universidade encontra evidente correspondência com a greve dos estudantes de outra universidade estadual paulista, a USP, em cujas reivindicações por democratização da estrutura e dos mecanismos de tomada de decisão universitários nossos grevistas buscam se espelhar, reproduzindo os mesmos métodos, como os cadeiraços, apitaços e tais. Métodos que recentemente foram questionados por uma carta aberta assinada por uma fração significativa de professores da FFLCH, por substituírem o convencimento por ações coercitivas. Essa carta coletiva, assim como as imediatas reações a ela, individuais, mas igualmente públicas, circularam entre nós, provocando discussões pontuais, assim como evidenciando que nossa posição de silêncio e expectativa havia chegado a um limite delicado.
Em uma tênue tentativa de resposta a isso, foi convocada, por meio da lista geral de professores do IFCH da UNICAMP, uma reunião com o objetivo de iniciar a discussão sobre uma tomada de posição. Apesar de nosso instituto contar com pouco mais de cem professore plenos permanentes, apenas três puderam ou quiseram participar desta conversa. Quorum em si mesmo significativo do tipo de problema vivido por nossa comunidade acadêmica e parte do desafio a ser superado. Ainda assim, foi possível testar algumas idéias.
Em primeiro lugar, está claro que o debate, realizado predominantemente por meio de textos circulados na internet, sem nem mesmo o dialogo face-a-face, corre o risco de nos levar a uma espiral meta-discursiva onde predominam a retórica, as acusações ideológicas e os posicionamentos reativos, incapazes de produzir qualquer outro efeito além da simplificação e do acirramento das posições.
No lugar disso, e para além das críticas que possamos formular aos posicionamentos do movimento estudantil que optou pela greve e pelas barricadas, nos parece fundamental sair da posição reativa, para assumir a responsabilidade que nos cabe diante dos diagnósticos a que chegamos.
O mais elementar desses diagnósticos passa pela identificação de um esvaziamento e de um abandono (por displicência ou forçado) do nosso espaço comum. Espaços de sociabilidade ameaçados sem que saibamos por que razão, prédios fundamentais ao crescimento de nossas atividades acadêmicas eternamente inacabados, espaços de circulação pouco iluminados, um anfiteatro degradado e de uso precarizado, assembleias estudantis e reuniões de professores esvaziadas, limites disciplinares transformados em muros aparentemente intransponíveis, um ensimesmamento da universidade que dá as costas aos problemas e expectativas da comunidade do seu entorno. Tudo isso aponta para a necessidade de voltarmos a investir no cuidado e no cultivo do espaço e da vida em comum. Nenhum projeto político ou acadêmico pode abrir mão desta condição básica que, porém, nos está escapando.
Em função disso é necessário propor ações imediatas que tenham em vista dar conta do nosso espaço comum, recuperar uma noção solidária, crítica e vigorosa de comunidade acadêmica, eliminar a ideia, tornada quase um ethos da militância estudantil – e ao qual nós não podemos negar algum fundamento – de que há uma oposição entre o mundo dos estudantes e o mundo dos professores. Uma dicotomia francamente e erroneamente análoga à que define a relação entre o operário do chão de fábrica e o capataz ou diretor de fábrica. Tais ações imediatas não devem substituir o debate político sobre os temas postos em pauta pelo movimento estudantil e por nós mesmos em nossos diferentes engajamentos, mas devem criar ou reconstituir as condições do ambiente no qual tais debates possam ocorrer.
Uma greve não pode ser apresentada como uma oportunidade de discutir temas políticos na Universidade, porque isto é basicamente o mais importante que a Universidade deve fazer enquanto está em funcionamento, e não quando está parada. Por isso é preciso não retornar às aulas como se nada tivesse acontecido. É preciso sair da posição reativa e passar à pauta das ações que estão ao nosso alcance.

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