quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Mobilidade dos Povos Indígenas em São Paulo

Tem início no segundo semestre de 2014 o projeto "Mobilidade dos Povos Indígenas em São Paulo", que é um dos Estudos Temáticos do projeto mais amplo "Observatório das Migrações em São Paulo: Migrações Internas e Internacionais Contemporâneas", do NEPO - Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó” (UNICAMP), que acaba de ser aprovado pela FAPESP (Projeto Temático) para o quadriênio 2014-2018.

Este Estudo Temático, coordenado por Marta Maria do Amaral Azevedo e José Maurício Arruti, dá continuidade ao estudo sobre mobilidade Guarani no Estado de São Paulo, realizado na Fase 1 do Observatório das Migrações em São Paulo sob coordenação de Marta Azevedo, ampliando-o de forma a abarcar também os grupos ligados ao 'tronco' Pankararu.

Os Guarani iniciam, na segunda metade do século XIX, um processo migratório que, muito mais tarde, ficaria conhecido na literatura histórico-antropológica como como ‘A busca da terra dos Sem Males’. Na visão de mundo dos Guarani o Universo possui uma coluna vertebral que seria a Serra do Mar, e a partir da qual existe uma ‘grande água’ que seria o mar. Para além do mar ou da grande água, ficaria então a “Yvyra mary’ey” ou a terra dos sem males. Os registros da presença Guarani no Estado de São Paulo, motivada por tais migrações oriundas do Paraguay, do Mato Grosso do Sul e da Argentina, começam no início do séc. XX, quando Nimuendaju encontrou várias comunidades e acampamentos desses indígenas na região de Bauru e na região do litoral sul do estado. Na metade do século o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) registra novamente a presença de vários acampamentos e comunidades já fixadas em alguns pontos do interior do estado e na década de 1970 começam a ser realizadas as primeiras demarcações de terras indígenas no estado. Hoje existem cerca de 20 comunidades Guarani no estado de São Paulo, sendo quatro delas no próprio município. Nesta segunda fase da pesquisa, buscamos compreender as articulações entre esses espaços migratórios e, especificamente, o fluxo migratório Guarani desde o Mato Grosso do Sul.

No caso dos grupos que fazem parte do sistema Pankararu, os fluxos migratórios ou a simples mobilidade, que tem o seu epicentro no aldeamento de Brejo dos Padres (hoje divididos em duas Terras Indígenas: TI Pankararu e TI Entre-Serras, PE), ligam grupos espalhados pelos estados vizinhos por meio de um sistema de relações conhecido como "tronco velho e pontas de rama": os Pankaiuká no estado de Pernambuco, os Pankararé, Kantaruré e Pancaru no estado da Bahia, os Jeripancó, Kalancó, Karuazu, Koiupanká e Katokinn no estado de Alagoas. Assim como liga, a partir dos anos de 1950, os grupos Pankararu (PE) e Pankararé (BA) a determinadas localidades da grande São Paulo: Zona Oeste e favela do Real Parque (bairro do Morumbi, cidade de São Paulo). Ainda que estes últimos fluxos migratórios possam ser vistos como parte de espaços migratórios tradicionais entre as regiões Sudeste e Nordeste do Brasil, partimos da hipótese de que há especificidades importantes nos casos Pankararu e Pankararé, derivadas de seu padrão étnico. Entre tais especificidades, observa-se a criação de um espaço de vida (Courgeau, 1974; Domenach e Picouet, 1996) na própria migração, que nos permite apreender o fluxo migratório a partir da perspectiva de espaços circulatórios (Tarrius, 2001), uma vez que as idas e vindas deste grupo configuram novos significados a cada etapa migratória, ao longo dos ciclos de vida dos sujeitos (Estanislau, 2014).

O estudo Temático "Mobilidade dos Povos Indígenas em São Paulo" busca, assim, identificar e compreender a dinâmica e o significado desses movimentos migratórios ou dos padrões de mobilidade desses dois grandes coletivos ameríndios, assim como contribuir para o debate sobre os movimentos migratórios dos povos indígenas (e autodeclarados indígenas) nos censos demográficos.

A coleta de dados sobre populações indígenas foi, pela primeira vez, realizada pelo Censo Demográfico brasileiro em 2010 através do questionário do Universo, e não da amostra, permitindo captar a totalidade desses povos indígenas pela autodeclaração e suas especificidades. Mas, ainda que o Censo Demográfico de 2010 represente enorme avanço para o conhecimento da questão indígena no Brasil, ele tem seus limites, na medida em que seria necessário investigar também as trajetórias, temporalidades, destinos migratórios, idas e vindas dos grupos indígenas.

Como alternativa a essas limitações, o Observatório das Migrações em São Paulo produzirá um censo das populações Pankararu e Pankararé localizadas em São Paulo, em busca de uma caracterização dos fluxos, modalidades migratórias e padrões de nobilidade que estão invisibilizados no interior de fluxos migratórios mais volumosos e de caráter mais geral, como os que caracterizam historicamente a relação entre Nordeste-Sudeste-Nordeste. E, a partir de tais aportes, propor um olhar comparativo dessas modalidades e padrões com aqueles já identificados para os Guarani na primeira fase do projeto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário